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Sunday, September 26, 2021

EUA planejam criar força-tarefa no Departamento de Estado para monitorar a China - Folha de S.Paulo

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​Nesta semana, uma empresa até então desconhecida da maioria dos brasileiros entrou no léxico midiático mundial: Evergrande. O empreendimento foi fundado em 1996 em Guangzhou, no sul da China, e o fundador, Xu Jiayin, chegou a figurar na lista dos dez homens mais ricos da China por anos. A atuação da Evergrande consistia em mapear e adquirir terrenos, desenvolver grandes projetos de construção civil e usar os próprios prédios como forma de pagamento aos proprietários do lote, enquanto as unidades restantes eram comercializadas para financiar a continuidade da obra.

A megalomania tornou-se aparente conforme a empresa se afundava em dívidas. Ela começou a ter problemas para vender as unidades adicionais que construía. Assim, gerava letras de crédito com promessas de juros muito acima do mercado, levantava cada vez mais prédios para sanar débitos antigos (deixando mais prejuízo para o próximo projeto) e acumulava passivos que, estima-se, chegam hoje a US$ 300 bilhões, o equivalente a quase 25% de todo o PIB brasileiro no ano passado.

De acordo com a revista Caixin (em inglês), a empresa desenvolveu vários métodos para esconder os rombos. Ela disfarçava dívidas como aquisições e ações ainda não liquidadas, manipulava balanços e firmava contratos de empréstimos com altas taxas de juros no exterior para maquiar o fluxo de caixa anual.

Governo chinês tateia para medir o tamanho do problema

O aviso da incorporadora chinesa de que não teria como pagar as dívidas acendeu o sinal de alerta para risco de calote. Os mercados se desesperaram com a posssibilidade de um efeito cascata na economia mundial semelhante à queda do banco Lehman Brothers nos Estados Unidos em 2008. Na China, reguladores mantiveram um silêncio cauteloso.

Analistas locais especulam que o governo não tem ideia da extensão do problema e tateia em busca de possíveis soluções que protejam o mercado, mas enviem um sinal de austeridade e de baixa tolerância à repetição dos erros cometidos pela Evergrande.

Uma resposta parcial veio na quarta (22). O Banco Central chinês anunciou uma injeção de ¥120 bi (cerca de R$ 98,4 bi) no sistema bancário em acordos de recompra reversa (quando a autoridade monetária emite títulos vinculados a um acordo para comprá-los novamente no futuro a um preço pré-fixado).

A empresa também anunciou o pagamento de juros de um título a vencer, no valor de US$ 35,9 milhões (R$ 189 milhões). As medidas parecem ter acalmado os ânimos nas bolsas de valores e especula-se até a possibilidade de estatização da empresa. No entanto, o risco de falência permanece, e o governo chinês pediu aos governos locais que se preparem para o colapso da incorporadora.

Por que importa: A quebra da Evergrande não representa um risco tão grande ao sistema financeiro mundial como foi a do Lehman Brothers. A economia chinesa não está muito integrada ao resto do mundo, o renminbi (a moeda nacional) não é totalmente conversível para o dólar e o sistema político é capaz de conter, ao menos no curto prazo, a fúria de quem levou calote (há relatos de manifestantes presos e monitorados pela polícia local). Isso não significa, porém, que o Brasil esteja imune a riscos caso a China deixe a incorporadora falir.

Como a Evergrande tem mais de 1.300 projetos e quase 160 mil empregados diretos, a possível derrocada da empresa certamente levará embora uma fatia do PIB chinês. A desaceleração no setor de construção civil, responsável por 25% do PIB nacional, também pode se refletir nas vendas brasileiras de minério de ferro, que representam 32% do exportado para a China no ano passado (o equivalente a US$ 20,5 bilhões).


o que também importa

Xi Jinping não costuma discursar na Assembleia-Geral da ONU (a primeira e única vez foi em 2015). Porém, com a pandemia e a possibilidade de enviar discursos gravados, o líder chinês participou da edição deste ano com promessas ousadas. A maior delas foi o compromisso de não financiar novas plantas de carvão no exterior.

"A China aumentará o apoio a outros países em desenvolvimento na produção de energia verde e de baixo carbono e não construirá novos projetos de energia movidos a carvão no exterior", disse Xi.

Esta é uma afirmação grandiosa. Para respeitar os limites negociados no Acordo de Paris, a China começou a reduzir o uso do combustível fóssil na matriz energética nacional, mas compensava com a construção de plantas em países próximos, dentro da Iniciativa do Cinturão e Rota.

Estima-se que 70% de todas as plantas de carvão construídas globalmente tenham sido ao menos parcialmente financiadas pelos chineses. Se for levado adiante, o anúncio pode reduzir 200 milhões de toneladas em emissões de CO₂ anualmente, mas, por outro lado, gerar prejuízo de US$ 50 bilhões (R$ 264 bilhões) com o cancelamento de mais de 40 projetos já em andamento.


Os Estados Unidos planejam criar uma força-tarefa e contratar de 20 a 30 funcionários para o Departamento de Estado dedicados exclusivamente a monitorar a China. A notícia foi publicada pela revista Foreign Policy, que revelou a intenção da diplomacia americana de aumentar também o número de oficiais voltados ao tema em diversas embaixadas. Eles seriam encarregados de observar como Pequim se relaciona com outros países.

Segundo a publicação, a iniciativa, que ganhou o apelido de "China House", vai nortear a cooperação diplomática e o relacionamento militar entre as duas nações. Inicialmente, o Departamento de Estado espera selecionar funcionários que já trabalham em assuntos ligados à China em outras agências governamentais. A ideia, porém, não é unânime internamente.

Uma iniciativa semelhante foi gestada no governo Trump em 2019. À época, a ex-enviada do Departamento de Estado para o Leste Asiático, Susan Thornton, disse que destacar funcionários para reportar os laços multilaterais chineses em várias partes do mundo daria origem a "todo tipo de exagero e distorções sobre as atividades chinesas". Ela deixou o cargo, mas as tratativas seguiram, e a própria CIA começou a estruturar uma equipe específica para lidar com a espionagem chinesa.


fique de olho

A semana na China foi marcada pela celebração do Festival de Meio de Outono, uma data importante no calendário do setor de turismo nacional. Dados revelados pela plataforma CTrip, a versão chinesa da Trip.com, mostram que os deslocamentos foram positivos, embora a pandemia continue impactando as decisões de lazer das pessoas. Segundo o portal, as reservas de hotéis cresceram 20% em relação a 2019, e o aluguel de carros, 77%. Mesmo assim, 56% de todas as viagens ocorreram perto da casa dos turistas, um indicativo da cautela da população com novos surtos de Covid assolando partes específicas do país.

Por que importa: Quando se projeta como deve ser o mundo pós-pandemia, várias empresas do setor turístico olham para a China. Talvez a comparação já não seja tão útil, considerando que o país permanece fechado e com uma política de tolerância zero a casos de Covid, enquanto o resto do mundo caminha para uma flexibilização. Contudo, o sinal de que as pessoas permanecem temerosas com deslocamentos mesmo quando a pandemia virtualmente não é mais um problema mostra o quão difícil será negociar o retorno do turismo aos padrões pré-Covid.


para ir a fundo

  • A China se orgulha de ter a não intervenção como princípio básico de sua diplomacia. Neste artigo para a Foreign Affairs, o pesquisador do Wilson Center Charles Edel e o ex-oficial do Conselho de Inteligência Nacional dos EUA David O. Shullman questionam esse posicionamento e argumentam que a China pode estar, direta ou indiretamente, financiando o surgimento de regimes menos democráticos e o esfacelamento das instituições. (paywall poroso, em inglês)
  • Novas regulações, cancelamento de IPOs, celebridades presas, controle do uso de videogame... As notícias vindas da China neste ano indicam recrudescimento em várias áreas da vida cotidiana no país. Neste artigo, o Wall Street Journal argumenta que isso tudo pode ser reflexo de uma tentativa de Xi Jinping em restaurar os valores socialistas fundamentais da nação e criar uma alternativa totalmente nova ao capitalismo ocidental. (gratuito, em inglês)
  • A gigante chinesa de fast fashion Shein é um fenômeno mundial, comercializando peças exclusivas a preços bem menores aos praticados por grifes renomadas. Mas tudo isso tem um custo: o Sixth Tone relata as péssimas condições de trabalho dos costureiros que produzem essas roupas, submetidos a comissões mínimas, jornadas extensas e espaços de trabalho insalubres. (gratuito, em inglês)
  • Em comemoração ao 72º aniversário da fundação da República Popular da China, a embaixada da China no Brasil vai realizar um evento online com apresentações da Academia de Dança de Pequim e do Ballet Paraisópolis. O tema deste ano é “Corações Juntos, Laços Unidos”, e a performance pode ser acompanhada ao vivo neste sábado (25), às 11h, pelo YouTube. (gratuito, em português)

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