Presidente do Banco Central, Campos Neto, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante sessão sobre o tema juros, inflação e crescimento, no Senado Federal, em Brasília (DF), nesta quinta-feira (27). — Foto: FáTIMA MEIRA/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
Novamente, os membros do governo federal iniciaram uma investida contra a diretoria do Banco Central, responsável pela decisão. Ao longo da semana, a reportagem do g1 ouviu economistas que se colocam ao lado dos argumentos de cada um.
- Quem concorda com o governo diz que a economia já acumula sinais de desaceleração suficientes para que o BC seja menos inflexível com os juros.
- Quem discorda, vê indicadores importantes de inflação fora das expectativas — aqui e no exterior — o que deixa o BC desgostoso de baixar as taxas agora;
- E há quem esteja cauteloso, mas acredita em uma suavização dos juros em breve.
“A gente não poder viver mais em um país aonde a taxa de juros não controla a inflação, ela controla, na verdade, o desemprego nesse país porque ela é responsável por uma parte da situação que nós vivemos hoje”, disse.
Foi apenas mais uma crítica pública desde que Lula assumiu a Presidência pela terceira vez. E, mais uma vez, a ofensiva não mexeu os ponteiros da diretoria do BC, liderada pelo presidente Roberto Campos Neto.
“O Comitê avalia que a conjuntura demanda paciência e serenidade na condução da política monetária. O Copom enfatiza que, apesar de ser um cenário menos provável, não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado”, disse o texto.
Isso significa que o BC poderá voltar a aumentar a Selic em outro momento, se necessário. Porém, desta vez, o próprio Copom reconhece, diferentemente do comunicado anterior, que este é um “cenário menos provável”.
Dias antes, Campos Neto disse que reconhece as medidas realizadas pelo governo para melhora do ambiente econômico, mas que o BC ainda procura fundamentos técnicos para começar o ciclo de quedas de juros.
“Nenhum banqueiro central gosta de subir juros (...). Então, a gente obviamente quer achar as condições estruturais para que isso [queda de juros] aconteça”, afirmou Campos Neto, em evento no dia 21.
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Que condições são essas?
No mesmo evento, um encontro com investidores em Londres, Campos Neto explicitou os três critérios que o BC leva em conta em suas decisões de política monetária.
- Expectativas de inflação: o que se espera da inflação no futuro e o impacto dessa projeção na inflação atual;
- Hiato de produto: diferença entre a atividade econômica e seu potencial de crescer;
- Inflação corrente: o estado atual dos preços, considerando a influência das expectativas, do hiato de produto e de possíveis choques de preço em curso.
Pela análise do presidente do BC, a incerteza fiscal e a possibilidade de mudança da meta de inflação trouxeram ruídos suficientes para piorar as expectativas de inflação em prazos relativamente longos, até 2026.
Em outras palavras: o BC espera acertos práticos nas contas públicas do país e o fim da discussão sobre a meta de inflação, para ter mais clareza do trabalho de desinflacionar a economia.
Aí que se instaura o impasse: para o governo, o envio do arcabouço fiscal ao Congresso e as medidas anunciadas de ampliação de receitas deveriam ser suficientes para que o Copom sinalizasse o momento de cair os juros.
Já o BC quer ver, primeiro, os planos andarem. Isso inclui aprovação do arcabouço e de medidas de aumento de receitas no Congresso Nacional, por exemplo. Com isso em mãos, o BC espera uma melhora dos juros longos e da expectativa de inflação do país, e consequentemente mais espaço para baixar a Selic sem ter que voltar atrás.
“O mandato do Banco Central é entregar a inflação na meta. Se a inflação projetada não está na meta, não está na hora de cortar o juro”, diz Alberto Ramos, diretor de pesquisa macroeconômica para América Latina do Goldman Sachs.
A análise de Ramos sobre a situação é alinhada aos argumentos do BC: para ele, apesar de entraves macroeconômicos, os números da atividade têm surpreendido positivamente e os estímulos fiscais à economia estão em patamar elevado.
Um exemplo é o resultado do IBC-Br de fevereiro, chamado também de “prévia do PIB”, que trouxe uma forte expansão de 3,32% no mês, após estagnação registrada em janeiro. O crescimento do indicador em fevereiro foi o maior desde junho de 2020, quando teve alta de 4,86%.
Ramos cita ainda o reforço ao Bolsa Família, o piso da enfermagem e o aumento real do salário mínimo como parte dos incentivos que aceleram a economia, em contraste com os juros em patamar mais alto. Para ele, o hiato de produto não está tão “aberto”, assim como o nível de ociosidade que tem registrado queda.
“Claro que 13,75% ao ano, com juro real próximo de 8%, está muito alto. Mas a inflação está alta em muitos outros países. Não dá para minimizar o custo econômico e social de uma inflação desancorada”, diz o economista.
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Do outro lado, a crítica
Em direção absolutamente oposta, o economista André Roncaglia cita os dados de desemprego do país e o episódio da paralisação de montadoras de automóveis como mostras de desaceleração econômica e da ociosidade industrial.
A taxa de desemprego do país subiu para 8,8% no primeiro trimestre de 2023. Os juros costumam ter participação na ocupação porque podem influenciar na decisão de empresários sobre cortar investimentos e projetos de expansão de suas empresas.
“Há muitos exemplos de desaceleração, e esse é o ponto central da crítica: ninguém está falando para o BC jogar os juros a 2% ao ano”, afirma Roncaglia.
O economista também aponta um desconforto com toda a comunicação do Banco Central sobre a questão. Roncaglia afirma que Campos Neto torna mais difícil a acomodação da questão da taxa de juros por passar sinais dúbios.
“O primeiro fato é a mudança do indicador de relevância de acordo com a plateia ou a evolução da conjuntura. Até algum tempo atrás, era a inflação que estava em nível muito elevado. Agora, mudou para expectativas que não estão ancoradas”, diz.
“Ele vai migrando os indicadores, à medida em que o argumento que ele usa vai perdendo força.”
Para o economista, a autonomia do Banco Central, lei aprovada para que o presidente da instituição possa tomar as decisões sem influência política, permite independência operacional ao BC, mas Campos Neto deveria expressar claramente porque está tomando essas medidas.
“Os elementos técnicos que Campos Neto deveria seguir — de acordo com o que prega o estatuto do regime de metas de inflação —, não está sendo seguido. Ora é o núcleo de inflação, ora expectativas. Ele está criando elementos”, afirma Roncaglia.
Por fim, o economista reconhece a pressão da inflação, em especial a que vem do setor de serviços. Mas acredita que os números mostram uma desaceleração que permitiria uma porta aberta para redução dos juros.
“À medida que os choques inflacionários diminuem, os serviços têm peso para adicionar preços além do que energia e alimentos podem amenizar. Daí até dizer que nós temos um problema de demanda, está muito distante”, diz.
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Um meio termo
A economista-chefe da B.Side Investimentos, Helena Veronese, entende que o cenário atual está mais claro do que estava na reunião anterior do Copom, com mostras de que a inflação ainda preocupa, mas está desacelerando.
Além disso, há um “encaminhamento” do arcabouço fiscal. Ou seja: mesmo que a proposta não esteja aprovada, ela está esclarecida. Ainda que sofra alguma alteração no Congresso Nacional, as bases estão dadas agora de forma que não estavam na reunião passada.
“Uma sinalização, como aconteceu na última reunião, de que o BC pode voltar a subir a taxa de juros já não faz mais sentido”, diz Veronese.
A economista afirma que o BC esperava uma definição da questão fiscal e ainda pode levantar argumentos para não cortar os juros já na reunião de junho, mas que o país está caminhando para uma redução das taxas por questões puramente conjunturais.
“A atividade está desacelerando, o mercado de trabalho não está mais tão aquecido e o mercado de crédito, principalmente, está caindo. Tudo isso é fruto de juros altos e de endividamento das famílias”, afirma.
O que o BC ainda espera para baixar os juros do país - G1
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