Dono de bar aposta em treinamento para bartender pela escassez de profissionais no mercado
Com quase 10 milhões de desempregados no país, há empresários aflitos com a falta de mão de obra qualificada para atender a clientela em momento de retomada da economia.
O setor de bares e restaurantes, por exemplo, criou mais de 1 milhão de vagas nos últimos 12 meses, mas é comum encontrar anúncios fixados na porta dos estabelecimentos em busca de empregados, especialmente para funções mais sofisticadas.
O empresário Décio Lemos, dono do bar Balthazar, em São Paulo, tem vagas abertas para atendimento e contou ao g1 que tem feito malabarismo para contratar e reter bons funcionários. Segurou o chef de cozinha com um salário mais alto e tenta manejar a escala de atendentes para unir garçons veteranos com os mais inexperientes.
A novidade é que resolveu promover um treinamento especializado com seu bartender para elevar o nível dos coquetéis e colocar o bar no radar gastronômico da cidade.
“Acaba sendo um custo extra e nada impede que o profissional nos deixe depois de ser treinado. Mas percebo que há um sentimento de gratidão pelo investimento. É um funcionário que veste a camisa”, diz.
Lemos trouxe para a mentoria o mixologista Gabriel Santana, premiado como melhor bartender brasileiro de 2019 no principal campeonato do setor, o World Class Competition.
Em sua aula, Santana repassa os fundamentos da coquetelaria, avalia o equilíbrio dos drinks e testa a rapidez do bartender para atender pedidos comuns da noite no bar. (veja o vídeo no início da reportagem com o dia de treinamento que o g1 acompanhou)
“Já existia uma demanda por treinamentos, mas eu precisava organizar o meu bar. Esta é a primeira vez, e não será a última. É um novo mercado que se abre”, diz ele, que dá expediente no Santana Bar, também em São Paulo.
Gabriel Santana (esq.) orienta o bartender do Balthazar em uma mentoria de longo prazo — Foto: Rafael Leal/g1
Uma pesquisa da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) mostra que 45% dos empresários pretendem contratar daqui até o fim do ano, impulsionados pelo otimismo com a Copa do Mundo e os eventos de fim de ano. Mas 99% afirmaram que têm algum grau de dificuldade na seleção.
Quanto mais especializada a função, mais difícil de encontrar o profissional. Dentre os mais requisitados na pesquisa da Abrasel, o padeiro lidera o ranking, com 72% de respostas. Em seguida, vem o sommelier, com 71%, e o chef de cozinha, 62%.
E o fenômeno da falta de mão de obra adequada se repete com frequência em outros segmentos do setor de serviços, o maior e mais importante da economia brasileira. Em cada caso, há um tipo de profissional em falta. Nas empresas de hotelaria há procura por recepcionistas bilíngues e guias com experiência. No setor de eventos, por técnicos de som e luz.
Essa é mais uma desorganização econômica que vem desde a pandemia. Também segundo a Abrasel, oito em cada 10 garçons, copeiras, recepcionistas, ajudantes e bartenders tiveram seus contratos cancelados no início da pandemia. Boa parte migrou para outras áreas ou regiões do país, levando sua expertise no trabalho.
Décio Lemos, dono do Balthazar, faz malabarismo para manter equipe completa, mas ainda tem vagas abertas — Foto: Rafael Leal/g1
A situação atinge tanto trabalhadores como fornecedores. No caso dos eventos, o preço das flores, por exemplo, chegou a saltar 400% durante os meses mais duros da retomada, porque floristas tradicionais fecharam as portas ou deixaram de trabalhar para a produção de eventos.
Seja para segurar trabalhadores mais qualificados ou para garantir abastecimento, é preciso subir o preço do evento. A Associação Brasileira de Eventos (Abrafesta) e a Casar.com estimam que o gasto médio de um casamento subiu cerca de 30% em 2022.
Ainda que a inflação do país tenha recuado, com três meses seguidos de deflação, os serviços são a exceção. Em setembro, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) — que é a cesta média de produtos — registrou queda de 0,29%, mas o núcleo de serviços subiu 0,40%.
Além disso, o volume de serviços prestados no Brasil continua em expansão, com crescimento de 0,7% em agosto na comparação com julho. Na comparação interanual, o setor registrou a 18ª taxa positiva consecutiva, com alta de 8% em relação a agosto de 2021.
Vagas abertas
O Brasil não tem dados oficiais de quantas vagas de emprego estão abertas país afora. O g1 pediu ao Infojobs que levantasse em sua base de dados a evolução da procura de empregadores de serviços.
Houve aumento de 90% das vagas em aberto, comparando janeiro de 2021 com outubro de 2022, apenas para posições do setor.
“Foram dois anos de pandemia em que se formaram poucos profissionais. Ainda há dúvida de como isso vai se reorganizar. É por treinamentos? Aumento de salários? Novos benefícios? Ou por meio de um novo regime de contratação mais atraente?”, diz Ana Paula Prado, CEO do Infojobs.
Pelo lado do empregado, a reabertura aqueceu o mercado de trabalho para além dos setores badalados da economia, como o de tecnologia.
Esse aumento repentino de demanda fez com que os profissionais se realocassem com mais “conforto” — em trabalhos melhores, com salários maiores ou mais perto de casa.
“Os desligamentos a pedido estão em patamar recorde, o que mostra que os profissionais podem escolher onde querem trabalhar no momento. Outro momento histórico de alta foi entre 2010 e 2013, quando houve um crescimento alto da economia”, diz Cosmo Donato Jr., economista da LCA Consultores.
Donato diz que o efeito do retorno à normalidade foi subestimado pelos economistas e, para o nosso passado recente, os números da atividade mostram uma aceleração “grande e rápida”.
“A taxa de desemprego caiu bastante, abaixo até do ‘desemprego de equilíbrio’, que é aquele compatível com potencial de crescimento da economia”, diz ele.
Por outro lado, a euforia do setor pode não perdurar por muito tempo. O resultado do índice de atividade de serviços em tempo real do Itaú Unibanco (Idat) mostra que há desaceleração dos gastos e uma reversão das altas entre agosto e setembro.
Nestes meses, o indicador acumula duas quedas de 4,2% e de 3,1%. (veja no gráfico abaixo)
“O ‘efeito reabertura’ foi muito forte no primeiro semestre e carregou o PIB no começo do ano. Agora, estamos entrando em tendência de normalidade, de fim de consumo represado e em linha com o pré-pandemia”, afirma Natália Cotarelli, economista do Itaú Unibanco.
Ambos os economistas explicam que o efeito de uma atividade mais lenta demora algum tempo a ser sentido no mercado de trabalho, mas, por não se tratar de uma perspectiva de recessão, o que se reduz é o ritmo de criação de novas vagas. O estoque de empregos, portanto, ainda pode se manter em bom patamar.
“A política monetária demora para impactar a atividade, e a atividade demora para atingir o mercado de trabalho. Nossa expectativa é que o desemprego termine o ano em 9,1%”, diz Cotarelli.
“Agora, o problema de ter o trabalhador certo na vaga certa ainda pode demorar um pouco mais. É uma mudança de médio prazo, que envolve um rearranjo entre os profissionais.”
‘Procura-se’: por que empresários têm dificuldade de contratar mesmo com desemprego alto - g1.globo.com
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